Morreu ontem à tarde, em Ribeirão Preto, o advogado, ex-Consultor Geral da República, ex-Ministro da Justiça Saulo Ramos. Tinha 83 anos.
A Nação amanheceu de luto. Pelo teor dos depoimentos, perdia um dos seus membros fundadores.
O governador Geraldo Alckmin saudou o “jurista refinado e exemplar”. O advogado e ex-Ministro Márcio Thomas Bastos celebrou o protótipo do advogado de grande banca: “Foi um dos maiores advogados do Brasil no século 20”. O Ministro do STF José Antonio Dias Toffoli, foi definitivo, realçando sua contribuição “para uma defesa do Estado forte e de qualidade”.
A sociedade paulistana enlutou-se, enlutou-se a classe artística, da qual foi advogado renomado e, principalmente, enlutaram-se os grandes escritórios de advocacia. Para estes, Saulo tornou-se uma referência, não pelos conhecimentos jurídicos, mas por ter desenvolvido modelos de negócios permitindo a rentabilização ampla do conhecimento, a exemplo dos grandes escritórios de Nova York.
Os grandes escritórios cariocas - como o de Bulhões Pedreira e San Thiago Dantas - notabilizaram-se por entender os novos caminhos da economia e saberem identificar novas oportunidades que necessitavam de arcabouço jurídico adequado. Já o padrão Saulo era mais tosco.
Acima de tudo, foi um pândego que, a esta altura, deve estar morrendo de rir - onde estiver - dos necrológios que saudaram sua passagem pelo mundo e o levaram a sério.
Toda sua vida pública foi polêmica, desde o início, como chefe de gabinete do presidente Jânio Quadros. Vindo de Santos, ligado ao café, coube a Saulo participar do planejamento de uma operação especulativa visando elevar os preços na Bolsa de Nova York. A operação foi um desastre e levou à quebra de um dos maiores grupos nacionais - Wallace Simonsen - e ao suicídio de seu lider, Wallinho.
O escândalo prosseguiu no governo Jango, com a campanha feroz empreendida pelo cafeicultor e deputado Herbert Levy que acabou resultando em uma CPI, na qual o principal acusado foi Saulo. No auge da CPI, na gestão de Carvalho Pinto, no Ministério da Fazenda de Jango, todos os envolvidos no episódio - autoridades, empresários, Saulo - tiraram o corpo. Sobrou para um diretor internacional do Banco do Brasil - inocente -, que acabou se suicidando.
Saulo repetiria depois essa manobra no governo Sarney com a Operação Patrícia, um novo desastre.
Não ficou nisso.
Seu, digamos, espírito empreendedor encantou grandes juristas, donos de escritórios poderosos, mas com pouco espírito prático. Como Vicente Rao, ex-Ministro da Justiça, e José Frederico Marques, que o convidaram para sócio em períodos diferentes.
Um dos episódios controvertidos de sua carreira como advogado foi o do espólio do empresário Baby Pignatari. O filho, Júlio, foi interditado por problemas com drogas. Saulo conseguiu a desinterdição, nomeou um advogado Armando Alvaro Leal - que, depois, se envolveria no episódio conhecido como as “polonetas” - como espécie de preceptor de Julio. Juntos, comandariam a venda da chácara Tangará para o grupo Bung y Born.
Nos anos 70 e 80, já com escritório próprio, o grande advogado descobriu o filão das liquidações extrajudiciais de instituições financeiras. Graças a uma brecha deixada pelo Ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen, quando uma instituição era liquidada, seus ativos (imóveis, títulos públicos etc.) eram corrigidos e o passivo (o aporte do Fundo Garantidor da Liquidez) congelado. Bastava esperar alguns anos para o liquidado escapar rico.
Saulo foi um pouquinho além do que recomendaria a prudência do advogado.
O Banco Central estipulou uma garantia para letras de câmbio até determinado valor. Como advogado da financeira Ideal, Saulo recebeu seus honorários em letras de câmbio frias, emitidas sem lastro, dentro dos limites garantidos pelo BC. Chegou a sofrer um inquérito no Ministério Público e da Polícia Federal, abafado quando ascendeu ao poder, como principal operador do governo Sarney.
No Plano Cruzado, enquanto Consultor Geral, foi autor de um documento polêmico, abrindo brechas na lei das liquidações extrajudiciais. Denunciei-o pela Folha e fui alvo de uma enorme pressão, Abriu um processo através do então Procurador Geral Sepúlveda Pertence. O procurador incumbido do caso opinou pelo arquivamento. Foi substituído por Pertence que colocou outro, para tocar a ação.
Acabou conseguindo meu pescoço não apenas na Folha, mas no Jornal do Brasil - que republicava minha coluna.
Sua influência sobre os jornais manifestava-se de várias maneiras. Bastava, por exemplo, induzir um advogado da União a perder um prazo recursal para apagar imediatamente dívidas bilionárias junto ao INSS. Sob sua orientação, e do Ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães, procedeu-se à distribuição de novos canais de televisão, autorização para a publicação de listas telefônicas e outros recursos que ajudaram a fortalecer as empresas de comunicação para o grande salto da década seguinte.
Sua atuação no governo Sarney foi sem limites. Levantou liquidação extrajudicial de empresas, como a Delfin e o Independência Decred, escreveu um parecer propondo a correção monetária integral (de um ano de congelamento) a títulos públicos emitidos no último mês do congelamento e contribuiu decisivamente para o fim do BNH (Banco Nacional da Habitação). O embasamento jurídico de quase todos seus pareceres era do então jovem e brilhante procurador Celso de Mello, depois indicado Ministro do STF.
Já como Ministro da Justiça, insurgiu-se acerbamente contra decisão do Ministério da Fazenda que obrigava que a declaração de bens, no Imposto de Renda, fosse corrigida pela ORTN do mês de aquisição.
Poucos entenderam a razão do alarido de Saulo. Seu contador, sim. Ele adquiria imenso escritório na Avenida Brasil e a maneira de justificar a compra era declarar o valor histórico do começo do ano, sem correção monetária - em um ano em que a inflação bateu em quase 2.000%.
Em sua longa carreira, dois momentos que mitigaram um pouco a péssima imagem que tinha dele.
Um deles, sua iniciativa de conceder direitos aos filhos adotados - ele próprio tinha adotado um menino.
O segundo, o apoio que deu ao então juiz Américo Lacombe, quando este foi detido pela ditadura. No período em que esteve preso, Saulo pagou as prestações do financiamento habitacional de Lacombe.
Quem o conheceu fora das lides jurídicas atesta que era dono de uma personalidade cativante e de solidariedades com os amigos.
Quem o conheceu nas lides jurídicas, como Márcio Thomas Bastos, atesta que foi um dos grandes advogados brasileiros do século 20.
De fato, foi um paradigma.
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Fonte Texto: Luiz Nassif On Line
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