Chocado
com o comportamento inapropriado, grotesco, violento e inconstitucional do
presidente da República? Pois não deveria. Ele está apenas cumprindo suas
promessas de campanha. Primeiro, Bolsonaro - surpreendentemente - não mentiu.
Não neste caso.
O
ocupante do Palácio do Planalto pode ser acusado de muitas coisas, de passar
pano para miliciano até empregar funcionária fantasma em seu gabinete quando
deputado, menos ter escondido suas reais intenções desde o início. Na campanha
eleitoral, deixou claro que seu objetivo é fazer "o Brasil semelhante
àquele que tínhamos há 40, 50 anos". Ou seja, na época da liberdade
cerceada, dos direitos subtraídos, do Estado (mais) autoritário.
Segundo,
porque muita gente, da direita à esquerda, cansou de avisar que ele não estava
sendo apenas fanfarrão ao homenagear um dos maiores carniceiros da ditadura
militar, o lamentável Brilhante Ustra, no plenário da Câmara dos Deputados. Não
estava apenas fazendo piadas do tipo "Tio do Pavê" com seus
comportamentos racistas contra indígenas e quilombolas. Não estava sendo mal
compreendido quando disse que uma deputada era "muito feia" e por
isso não merecia ser estuprada. Não estava tendo suas palavras adulteradas ao
pregar, dia após dia, a violência como solução.
Pouco
antes do segundo turno, anunciou "uma limpeza nunca vista na história
desse Brasil" após eleito, prometendo banimento no melhor estilo
"Brasil: ame-o ou deixe-o". E não podia estar sendo mais sincero.
Como escrevi aqui naquele 21 de outubro, sua vitória iria abrir a temporada de
caça a adversários políticos e ideológicos e ao jornalismo crítico e
investigativo no país - o que, de fato, ocorreu.
As
declarações sobre a "limpeza" dos adversários foram dadas logo após a
repercussão de um vídeo em que Eduardo Bolsonaro, o deputado federal mais
votado nas últimas eleições e filho do presidente, afirmou que "para
fechar o STF basta um cabo e um soldado". Um ano depois, o mesmo Eduardo
voltaria a chocar pela defesa de um novo AI-5 (o ato da ditadura que autorizou
o Palácio do Planalto a fechar o Congresso, cassar mandatos, descer o cacete
geral). Foi copiado, inclusive, por Paulo Guedes, o tal ministro da Economia
que, segundo os ufanistas, iria trazer o presidente à razão. Na prática, se
mostrou muito parecido com o chefe.
Poderíamos
passar dias discutindo como ações e declarações de Bolsonaro têm sido usadas,
há décadas, para atacar instituições, não sendo, portanto, novidade. E como uma
parte da elite econômica do país, mesmo fazendo cara de nojinho, segue ao seu
lado devido à promessa das tais reformas. Se a taxa de retorno for de 20%,
pouco se importam se, ao final, a democracia for para o buraco.
Toda
essa discussão, contudo, seria inútil. Melhor será se, independentemente do
nosso posicionamento ideológico, buscarmos formas de garantir o marco
civilizatório conquistado após a redemocratização. E protegermos, a todo custo,
as instituições que garantem - ainda que de forma falha, imperfeita e insuficiente
- os direitos previstos na Constituição Federal de 1988.
Há
muito tempo este não é mais um debate entre esquerda e direita, mas entre
civilização e barbárie. E a barbárie está avançando, comendo aos poucos as
instituições de monitoramento e controle - Coaf, Receita Federal, Polícia
Federal, Incra, Funai, Ibama, Procuradoria-geral da República.
No
lance mais recente, Bolsonaro enviou para amigos vídeos chamando às
manifestações contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional,
marcadas para o dia 15 de março. Descoberto, negou o que fez, como sempre,
provando toda sua coragem e maturidade. E atacou a jornalista Vera Magalhães,
que revelou o conteúdo. Agiu de forma obscena, mas cumpriu sua promessa de
campanha, dando à nação ares de dezembro de 1968, quando foi decretado o AI-5.
O
presidente vem, através de aproximações sucessivas, testando seus limites e a
capacidade de reação das instituições e da sociedade. A maioria das respostas
vem na forma de insuficientes notas indignadas ou tuítes de reprovação de outros
poderes - que são praticamente uma prova de que Bolsonaro está correto em achar
que as instituições são fracas, frágeis, covardes.
Diante
dessas respostas, ele culpa terceiros por publicarem em seu nome ou diz que
jornalistas mentiram, apesar de todos os fatos provarem o contrário. E nada
acontece com ele. Com isso, segue atacando. E atacando. E atacando. E, a cada
ataque, sente-se mais à vontade para fazer o que bem entender, tratando a
República como o seu playground.
O
Brasil merece mais do que um governo que não está nem aí para a Constituição
que prometeu defender. Espero que o país perceba isso antes que o presidente,
finalmente, termine o serviço para o qual acredita ter sido eleito.
Fonte: Blog do Sakamoto
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