No verão de 2014, um leitor entrou em contato por um motivo peculiar: ele queria me contar uma história antiga.
Na época, eu tinha acabado de fundar a coluna de fact-checking chamada Viralgranskaren (O Revisor Viral, em tradução livre) no jornal gratuito Metro — e meu gosto especial por lendas urbanas fez com que suas aparições súbitas se tornassem um tema recorrente nas minhas coberturas.
A história foi um pouco assim: um ano, a associação de proprietários responsáveis pela manutenção de estradas locais num conjunto habitacional na periferia de Örnsköldsvik, no norte da Suécia, diminuiu seu pedágio. Eram 100 coroas suecas, ou US$ 11. O chefe da associação informou aos moradores da região, dos quais um se chamava Peter Forsberg — um famoso jogador de hóquei no gelo. Depois de uns dias, a contribuição de Forsberg estava na conta da tal associação.
Só que não eram 100 coroas. O generoso atleta havia transferido 100 mil coroas suecas — ou US$ 11 mil — e, portanto, havia pago pedágio pelos próximos mil anos. O presidente da associação ficou pasmo.
O leitor, ele mesmo um morador de Örnsköldsvik, contou essa história para mim porque, segundo ele, havia narrativa similar na mais recente edição da revista semanal Veckans Affärer. Uma matéria de primeira página que tratava das finanças do astro do futebol Zlatan Ibrahimovic narrava a mesma anedota. Só que, desta vez, quem havia feito uma contribuição generosa era ele mesmo, Ibrahimovic, e a casa em questão era em no arquipélago de Estocolmo.
As chances de a mesma história ter ocorrido duas vezes eram baixas, e o leitor que entrou em contato comigo tinha um questionamento bem simples: poderia essa história ser, na verdade, uma lenda urbana?
A maneira mais óbvia de descobrir seria perguntar a Ibrahimovic ou Forsberg pessoalmente. Porém, eles são celebridades e não prestam lá tanta atenção a questionamentos feitos por meros mortais como eu. A história, contudo, era duplamente desafiadora porque demandava provar que ambas eram falsas.
Descobrir se algo é verdadeiro e concreto é mais fácil. Você só precisa indicar onde está. Provar o oposto é mais difícil, uma vez que você deve descartar qualquer possibilidade de aquela narrativa ser verdadeira. E, quando você não pode perguntar à fonte principal da informação, é ainda mais trabalhoso.
Porém, há nove passos objetivos que você pode adotar para desvendar um boato.
1Reconheça
2
PROCURE PELO VIÉS IDEOLÓGICO
3
Procure por nomes, lugares, datas e imagens
4
leia os comentários
5
Procure pela fonte
6
Procure por elementos centrais da história
7
Pergunte às pessoas envolvidas na história
8
Consulte os especialistas em folclore
9
descreva com detalhes
2
PROCURE PELO VIÉS IDEOLÓGICO
3
Procure por nomes, lugares, datas e imagens
4
leia os comentários
5
Procure pela fonte
6
Procure por elementos centrais da história
7
Pergunte às pessoas envolvidas na história
8
Consulte os especialistas em folclore
9
descreva com detalhes
Lendas urbanas e boatos seguem um formato específico. Geralmente, têm poucos detalhes e possuem uma trama cujo fim é frequentemente dramático, triste, nojento, esquisito ou engraçado. Já li muito a respeito de boatos, e sugiro que vocês façam o mesmo. Leia muitos clássicos no Snopes. Compre qualquer uma das três coleções a respeito de lendas urbanas por Jan Harold Brunvand, que poderá te fornecer ferramentas para reconhecer o próximo boato da moda — além de ser divertido de ler.
Pessoas compartilham factoides para reforçar suas crenças pessoais. Por isso, as preferências ideológicas do narrador podem ser usadas a seu favor na hora de checar. A história de que Donald Trump pagou a hipoteca de um transeunte solícito foi compartilhada por um simpatizante do presidente dos Estados Unidos? Caso positivo, isso pode significar que ele estava menos propenso a ter checado a história antes de compartilhá-la.
O oposto também acontece. Todos somos sugestionáveis a informações que parecem verdadeiras para cada um de nós. Perguntar a si mesmo se algo é muito bom para ser verdade nunca é tão importante quanto a própria vontade de que aquele conteúdo seja verídico.
Neste vídeo, explico como uma história de um episódio do seriado M*A*S*H (ou mesmo de antes) acabou nas redes sociais em 2013. Também mostro que algumas mudanças na história expõem como a sociedade vê a sexualidade feminina. Boatos podem revelar muito do que nós somos.
A maior parte das lendas urbanas mais antigas distorciam detalhes de quando e onde ocorreram, bem como quem eram os envolvidos. Nas redes sociais, mesmo as histórias cujo foco são pessoas comuns, boatos geralmente vêm acompanhados de imagens, nomes e lugares. Dê um Google! Procure pelos nomes e lugares mencionados e limite a busca para o perído de tempo mencionado na história.
Use o Google Reverse Images ou o Tinyeye para checar imagens. Se você quiser checar um vídeo do YouTube, use a ferramenta da Anistia Internacional.
Identifique e faça uso de qualquer rastro de evidência que você encontrar — e, se você não achar nenhum fato concreto na história, como nomes, datas, imagens — é bem possível que seja mentira.
Comentários são frequentemente destrutivos, mas eles podem ser valiosos como fonte de pesquisa. É comum que haja alguns sabichões (como eu mesmo) questionando a história antes mesmo de você tê-la escrutinado. Esses comentaristas podem ter feito alguma pesquisa e publicado por ali, portanto dê uma olhada. Não há razão para refazer investigação se alguma outra pessoa já o fez antes.
Boatos dificilmente têm origem numa testemunha ocular ou mesmo no personagem central da história. Em vez disso, a fonte normalmente é descrita como "o amigo do primo do sobrinho do irmão do mei pai". E, se você de fato fizer a linha até o amigo do primo do sobrinho do irmão do pai da pessoa, ele possivelmente estará desinformado. Esse é um indicativo de que pode se tratar de um boato. Encontrar a verdadeira fonte não é impossível, e dificilmente elas têm credibilidade.
No caso do boato a respeito do pedágio, procurei pela "associação de estradas Zlatan". Isso fez surgir um blog de seis anos de idade com a mesma história, desta vez centrada em outra casa do Ibrahimovic. Isso é suspeito, é claro, porque dificilmente ele teria feito a mesma ação duas vezes.
Procurar por elementos-chave da história no Google e no Facebook pode ajudar a encontrar diferentes versões. Muitas versões diferentes da mesma história são indicadores de que você está diante de um boato.
Entrar em contato com Ibrahimovic e Forsberg não era uma opção. Porém, a revista que tinha publicado a matéria sobre Ibrahimovic atribuiu a informação a um homem que supostamente ligou para o atleta para cobrar o pedágio. Fui a ele e perguntei a respeito disso, e ele prontamente negou. "Já ouvi essa história antes", ele disse. "Numa versão em que eu não era a pessoa envolvida."
Ainda por cima, o autor de uma biografia bastante conhecida de Ibrahimovic achou a história duvidosa, porque o jogador de futebol teve uma infância pobre e não sai distribuindo dinheiro por aí.
Se checadores não verificaram a história ainda, procure-os. Não esqueça, contudo, de estudiosos de folclore, que pesquisam esse tipo de narrativas. Eles podem dizer se reconhecem o boato como tal ou se é uma nova lenda urbana. Se forem realmente bons, estarão à disposição para ajudá-lo, sobretudo porque eles mesmos querem saber o que há de novo no mundo da boataria.
O que quer que você escreva, assegure-se de seguir os passos que mencionei. Uma checagem que aborda de maneira rasa a história falsa não é tão convidativa quanto aquela que mostra o caminho da sua investigação, os elementos de outras histórias semelhante e o impacto que essas mentiras podem ter na sociedade. Compartilhe tudo! Isso fará com que a checagem fique mais interessante e mais persuasiva.
Fonte: Aos Fatos
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