Os
videogames, ou jogos eletrônicos, são um fenômeno econômico
esocio-cultural que tem crescido rapidamente nas últimas
décadas,devendo ser pensados em sua inserção na Indústria Cultural e como
constituidores de um imaginário sobre o passado com características próprias.
Desde os anos 1970,
os videogames, ou jogos eletrônicos, vêm se consolidando como um fenômeno
cultural global.
Hoje, este universo é uma indústria avaliada mundialmente em 70 bilhões de dólares e a “cultura dos videogames” vem sendo incorporada a outras mídias da indústrias do entretenimento, transformando a linguagem do cinema, dos quadrinhos, dentre outros, bem como influenciando, através da perspectiva da “gamificação”, as dinâmicas e expectativas em relação à educação, ao trabalho, etc.
Hoje, este universo é uma indústria avaliada mundialmente em 70 bilhões de dólares e a “cultura dos videogames” vem sendo incorporada a outras mídias da indústrias do entretenimento, transformando a linguagem do cinema, dos quadrinhos, dentre outros, bem como influenciando, através da perspectiva da “gamificação”, as dinâmicas e expectativas em relação à educação, ao trabalho, etc.
Com uma linguagem
própria, que alinha narrativas audiovisuais, sistemas de regras lúdicas e
possibilidades diversas de interatividade, o videogame permite que jogadores
explorem e interajam com ambientes digitais que contém representações e
interpretações sobre o mundo social e o passado. E é isso, particularmente, que
interessa e muito aos historiadores.
Em linhas
gerais, o campo da História pode discutir o fenômeno dos jogos eletrônicos
recuperando sua historicidade por dois pontos de vista: por um lado, o processo
histórico dos desenvolvimentos técnicos, das relações sociais e de sua inserção
em uma Indústria Cultural mais ampla; por outro, uma análise histórica das
representações culturais e da construção de um imaginário sobre o passado
contido na forma particular dos videogames – sobretudo em suas representações
históricas.
A
História dos videogames e os videogames na História
Arcades ou fliperamas: sucesso nos anos 1980
É necessário
compreender os videogames a partir de três raízes históricas: as modalidades
lúdicas, sobretudo ligadas a tabuleiros e jogos de mesa; os avanços da
eletrônica e da informática; e as mídias visuais, como o cinema e a televisão.
Os primeiros esforços
de se desenvolver jogos em um ambiente computacional surgiram estreitamente
vinculados à corrida tecnológica e ao universo militar estadunidense durante a
Guerra Fria. A primeira experiência do tipo foi um simulador de mísseis criado
em 1947 para um Cathode Ray Tube (CRT). Outros
exemplos marcantes foram William Higinbotham, cientista-membro do Manhattan
Project, que criou o que é considerado o primeiro jogo eletrônico, o Tennis
10 for Two, lançado em 1958; e Ralph Baers, o primeiro a capitalizar essas iniciativas
a partir de seu trabalho na Sanders Associate, uma empresa voltada
para o desenvolvimento de equipamentos eletrônicos militar.1
Somente a partir
da Atari e do estrondoso sucesso de Pong em 1970, no
entanto, é que podemos falar do surgimento de uma “indústria do videogame”
propriamente dita. Os Arcades (conhecidos no Brasil
a partir da década de 1980 como “fliperamas”) passaram a estar em quase todos
os lugares. Jogados por um público diverso, mas principalmente jovem, os
fliperamas renderam bilhões de dólares para suas companhias em bares ou outros
espaços públicos que reuniam muitos jogadores.
Somente a partir da Atari e
do estrondoso sucesso de Pong em 1970, no entanto, é que podemos
falar do surgimento de uma “indústria do videogame” propriamente dita
Na década de 1980 e
1990, a tecnologia possibilitou que os videogames tivessem outro formato.
Menores, mais leves e mais baratos, foram criados os consoles, aparelhos de uso
pessoal e que levaram a “jogatina” para o interior privado dos lares. Diante de
uma grande produção de jogos de qualidade, o fenômeno começou a se popularizar
pelo globo2. Neste mesmo período, houve um
deslocamento no mercado dos produtores de jogos: a norte-americana Atari perdeu
espaço para empresas japonesas como a Nintendo e a Sega.
Nas décadas de 2000 e
2010, a indústria atingiu novos patamares em termos de alcance, diversificando
as plataformas oferecidas – além de consoles, passamos a ter jogos de
computador, para celulares, vinculados às redes sociais, além de diversos gadgets – e expandindo,
assim, o consumo a novos públicos de diferentes esferas sociais e níveis
econômicos. As grandes produções realizadas pelas empresas consideradas
“gigantes” dentro da indústria geraram custos e rendimentos tão grandes quanto
filmes Hollywoodianos. Paralelamente, a popularização da tecnologia permitiu
que pequenos produtores e programadores disponibilizassem ao público consumidor
jogos de menor custo e mais acessíveis.
Os
“jogos históricos”
Topo de Sorbonne na París do século XVIII (Assassin’s Creed Unity)
As discussões sobre as
representações históricas nos games impõem a pergunta:
como o passado é representado em um ambiente digital narrativo, explorável e
interativo? Apesar de ser possível verificar os “erros históricos”, as
incongruências, assim como também as precisões destas representações, compõem
apenas um dos lados de uma análise possível. Todo jogo histórico é o olhar de
um presente específico sobre o passado.
O primeiro passo
fundamental para compreender as representações históricas, seja nos videogames
ou em qualquer outro produto cultural, é entendê-los em sua historicidade
particular, isto é, entender como os autores, a partir de seu presente, de sua
cultura específica, e de certos mecanismos formais, imaginaram que o passado
era, ou como gostariam que fosse. Isso quer dizer que nenhuma representação
histórica apresenta um espaço ou um tempo como ele “realmente foi”, mas é
produto de recortes e escolhas, conscientes ou não, além da interpretação de
uma memória histórica socialmente construída. Um filme como Gladiador ou um jogo da
série Caesar, por exemplo,
apresentam a Roma Antiga através daquilo que os seus autores consideram
relevante representar como aspectos desse tempo histórico. Parte da Indústria
Cultural, os jogos são fundamentais no entendimento da divulgação – e mesmo da
hegemonização – de certos códigos culturais e imaginários sobre o passado.
Assim, para
compreender as representações nos games e reconstituir
a historicidade dos diversos tempos envolvidos, primeiramente é necessário
verificar o seu contexto – onde é produzido, por quem, quais são as ferramentas
técnicas disponíveis, as referências e imaginários apropriados, as intenções e
para qual público é destinado – e relacioná-lo com o modo como cada jogo
particular estrutura o seu conteúdo.
Para compreender essa
estruturação particular, os jogos devem ser analisados através a articulação de
uma narrativa, de espaços virtuais e das possibilidades de jogabilidade3.
A narrativa
audiovisual, tal como no cinema, impõe uma interpretação do passado e
personagens em uma trama. Entretanto, é preciso ter muito cuidado ao fazer
isso: limitar-se a essa verificação pode desviar atenção do fato de que
diferentes espaços e sistemas de regras determinam a experiência e imersão dos
jogadores. Os game designers determinam,
através das opções de interação, o que é possível, desejado ou necessário fazer
para se ganhar o jogo – ter que escalar, assassinar, negociar, se relacionar
com alguém, etc. Alguns autores distinguem a representação tradicional, a que
“descreve” acontecimentos, da “simulação”, na qual objetos, pessoas etc. são
programados para agir ou reagir de acordo com a interação do jogador dentro de
um perfil comportamental desenhado para eles (a escolha do perfil é feita
pelo game designer e também pode ser
carregada de sentido: um personagem soldado pode ser agressivo nas reações, uma
“dama” pode andar com cuidado, etc.)4. Igualmente importante, estes jogos
estabelecem espaços que evocam narrativas5 e permitem um
novo olhar à espaços históricos, contribuindo para um certo desenvolvimento do
imaginário sobre tempos passados. É na estruturação dos conteúdos em suas
formas que é possível compreender o conteúdo ideológico dos jogos6.
Através
da perspectiva da articulação entre os conteúdos narrativos estruturados a
partir das diferentes regras e formas de interatividade, é possível distinguir
duas principais famílias de “jogos históricos” dentro dos Videogames, isto é,
dois gêneros que de formas distintas representam a História: os “Jogos de
Performance” e os “Jogos de Gerenciamento”7. Os primeiros impõem ao
jogador o controle de um ou mais personagens individualizados em histórias
contadas sobretudo através de “fases” ou “quests”, enquanto o segundo grupo são,
sobretudo, “jogos de estratégia” em que deve-se controlar coletivos e
estruturas da sociedade8.
Já os “Jogos de
Performance” colocam o jogador em um ambiente de imersão histórica no papel de
indíviduos-agentes da História. Estes jogos apresentam uma concepção do passado
que centraliza a narrativa em uma perspectiva individual, dando primazia à
ideia da História como uma coleção de grandes acontecimentos, eventos e
personagens.
Há uma grande
quantidade de jogos em diferentes cenários e modos de jogabilidade. Por
exemplo, a série Assassin’s Creed permite a
exploração de vários ambientes do passado (como o Egito Antigo, a Renascença
Italiana, etc.) em terceira pessoa, com elementos de plataforma e stealth. A série Red
Dead Redemption simula o que é ser um cowboy no Velho Oeste
estadunidense. Muitos jogos de Call of Duty colocam o
jogador controlando um personagem em primeira pessoa em meio à Segunda Guerra
Mundial ou a outros conflitos modernos. Outros jogos, como God
of War, fazem uma releitura de elementos mitológicos criando um ambiente de
fantasia com inspiração histórica.
Por sua vez, os
“Jogos de Gerenciamento” voltam-se principalmente para o desenvolvimento
de civilizações e cidades históricas através de uma
perspectiva estrutural de passagem do tempo do processo histórico. Os jogos
focados em construir cidades – como a série Caesar – focam em
planejamento urbano e nas necessidades administrativas de um espaço em que seus
cidadãos vivam bem e a economia floresça. Já os “jogos de civilização” – como Civilization ou Age
of Empires – impõem a necessidade de colonizar o espaço, coletar recursos variados
(como madeira, metal, ouro, etc.), comercializar, negociar e enfrentar
militarmente outros povos. A premissa principal da maioria destes jogos é
assumir o papel de um Estado moderno e desenvolver a sociedade de uma era
considerada mais “primitiva” (como a Idade da Pedra) até uma mais “avançada”
(como a Idade Contemporânea), baseando-se em uma lógica etapista e administrada
da História.9
Considerações
Finais
Ambos os grupos de
“jogos históricos” articulam conteúdos específicos do passado a determinadas
regras e possibilidades de interatividade. Em um, o controle de ações mais
individualizadas – como correr, lutar, saltar, etc. – em uma trama centrada em
personagens; em outro, ações de administração social – coletar recursos, fazer
guerra, alianças, etc. É importante lembrar que cada jogo possui interpretações
distintas sobre o passado – obras como Óregon Trail,
Prince of Persia, Call of Duty ou Assassin’s
Creed possuem intenções diferentes, portanto devem ser sempre
compreendidas na relação entre seu contexto e sua produção, bem como na forma
que articula seu conteúdo às diversas formas de jogá-lo.
A importância de
compreender os videogames como objeto de conhecimento para a História se dá por
várias razões. É fundamental entender como uma indústria multibilionária move
milhões de pessoas tanto para a produção de suas mercadorias, quanto para seu
consumo. Os jogos eletrônicos exigem sofisticação de uma linguagem técnica
computacional que é de maior dificuldade de acesso do que outras mídias
visuais, como a filmagem ou a fotografia, implicando a necessidade de mão de
obra intensamente qualificada, assim como um distanciamento maior entre o
consumidor e a compreensão de seu objeto de consumo.
Igualmente, estes
jogos e suas representações devem ser pesquisados por integrar uma Indústria
Cultural mais ampla que dissemina certas visões e imaginários sobre o passado e
o mundo social, cujo impacto ainda não pôde ser completamente verificado.
Diferente de outras mídias cujo autor controla completamente a narrativa
através de um começo, meio e fim bem definidos, nos jogos eletrônicos, o
ambiente virtual impõe uma verossimilhança potencialmente ainda maior por
permitir que os jogadores explorem o cenário sem estarem sendo conduzidos
constantemente, embutindo códigos estéticos e comportamentais de forma a
naturalizar o passado “como realmente foi”. É tarefa do historiador trazer
historicidade isso.
Fonte:Café História
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