A crise institucional aberta pela renúncia do presidente Jânio Quadros (em 25 de agosto de 1961) terminou frustrando um plano que, se executado, ganharia, com certeza, um lugar de destaque numa antologia mundial dos desvarios politicos :
o presidente queria anexar a Guiana Francesa ao território brasileiro, numa operação militar de surpresa – uma investida no estilo da frustrada anexação das Ilhas Malvinas pela Argentina, em 1982.
o presidente queria anexar a Guiana Francesa ao território brasileiro, numa operação militar de surpresa – uma investida no estilo da frustrada anexação das Ilhas Malvinas pela Argentina, em 1982.
A invasão das Malvinas deflagrou uma guerra entre Inglaterra e Argentina. Qual teria sido a reação internacional a uma aventura expansionista brasileira na Guiana Francesa ? Jânio Quadros chegou a convocar, para uma audiência secreta em Brasília, o governador do Amapá, Moura Cavalcanti, um político que, anos depois, durante os governos militares, ocuparia o Ministério da Agricultura do general Garrastazu Medici e o governo de Pernambuco, por eleição indireta.
Moura Cavalcanti estava disposto a cumprir a surpreendente determinação do presidente : afinal, tinha sido nomeado para o cargo de governador do Amapá pelo próprio Jânio Quadros. Ordens sao ordens.
Alem de dar a ordem a Moura Cavalcanti, o presidente passou, diante do governador, uma mensagem por rádio para um comandante militar, com a orientacao textual :
- Estudar a possibilidade de anexar ao Brasil a Guiana Francesa – se possível, pacificamente.
“Eu me recordo dos termos com exatidão”- disse-me Moura Cavalcanti, numa entrevista gravada no Recife. Já abalado por uma doença renal que o mataria meses depois, Moura Cavalcanti descreve, com detalhes, a cena surrealista que presenciou em Brasília, como testemunha e personagem, num dia de 1961:
Geneton Moraes Neto – Que ordens o senhor recebeu do presidente Jânio Quadros, em Brasília, em relação à Guiana Francesa ?
Cavalcanti : “Quando o presidente Jânio Quadros analisou o processo de venda de manganês para os países estrangeiros, me deu a seguinte ordem : ‘Defenda os interesses nacionais acima de qualquer outra coisa. A propósito : eu acho que chegou a hora de resolver definitivamente isso. Por que não anexarmos a Guiana Francesa ao território brasileiro?'”.
GMN – Que reação o senhor teve ao receber esta ordem ?
Cavalcanti : “Uma reação violenta. Primeiro,o seguinte : não tinha estrutura para agir como um conquistador. Não tinha sonhado em conquistar terras, nas minhas andanças por Macaparana (N: terra natal do ex-governador, em Pernambuco). Quando muito, tinha pensado em aumentar o meu engenho… Andei de um lado para o outro; fiquei confuso, evidentemente. E Jânio Quadros me disse : “Sente aqui!’”. Eu me sentei junto ao telex. E ele passou um telex a um militar que, me parece, era o chefe do Estado Maior das Forcas Armadas’’.
GMN – Que comentário Jânio Quadros fez sobre o plano ?
Cavalcanti : “Jânio Quadros me disse : ‘Um país que dominar do Prata ao Caribe falará para o mundo!’. O presidente olhou o pequeno papel que tinha nas mãos, com a ordem. Olhou o mapa do Brasil, imenso, na parede. Balançou lentamente a cabeca, antes de dizer que um país que fosse do Prata ao Caribe seria respeitado e dominaria o mundo”.
GMN – Por que é que esta ideia do presidente não se realizou ?
Cavalcanti : “Porque Jânio Quadros renunciou dias depois. A conversa com Jânio ocorreu em agosto de 1961, às vesperas da renuncia”.
GMN – Como é que seria feita, na prática, esta anexação ?
Cavalcanti : “A anexação da Guiana Francesa começaria com uma visita de Jânio Quadros à Amazônia. Uma esquadra chegaria ao cais do porto, no Amapá”.
GMN – A principal motivo da anexação seria econômica ?
Cavalcanti : “O presidente queria evitar a saída de minérios do território brasileiro. A saída de minérios era uma coisa incrível. Uma parte saía através da Guiana; outra através do nosso porto”.
GMN – Que outra orientação ele deu?
Cavalcanti : “Janio falou muito sobre o disciplinamento do trânsito dos minérios”.
GMN – O senhor estava disposto a cumprir a ordem do presidente ?
Cavalcanti : “Eu estava disposto a cumprir o que ele desejava”.
GMN – O projeto, então, só nao se realizou por causa da renúncia ?
Cavalcanti : “A minha parte eu cumpriria ! (silêncio). Em um mês, eu criei uma Polícia Militar”.
GMN – Como seria feita a anexação ? Através da abertura de uma picada na selva ?
Cavalcanti : “Cabia a mim a abertura da picada, até Oiapoque. (N: onde havia uma base militar brasileira e uma base militar francesa). Vi a queda das castanheiras. Quando recebi a orientação do presidente, fui para a fronteira. Consegui, com uma base americana que ficava localizada no Caribe, um helicóptero.
Eu me lembro que um assessor me dizia : Se esse helicóptero cai na floresta amazônica, vai dar manchete ! Helicóptero cai e morre governador e secretário !”.
GMN – Quando o presidente Jânio Quadros falou sobre a anexação da Guiana,só estavam no gabinete o senhor e ele ?
Cavalcanti : “Só estávamos eu e ele- o presidente. Antes,ele não me disse que eu não levasse ninguém nem me pediu para que eu não falasse. Disse, apenas, que o assunto seria secreto”.
GMN – Que outras pessoas souberam desta conversa, na época ?
Cavalcanti : “Cordeiro de Farias (n: marechal) soube; Golbery do Couto e Silva soube,José Aparecido de Oliveira, tenho a impressão, soube”
GMN – O ministro das relações exteriores, Afonso Arinos, estava presente ?
Cavalcanti : “A este encontro meu com o presidente, ele não estava presente. Mas, como ele dizia que os ministros eram ministros de verdade, Afonso Arinos deve ter sabido”.
GMN – Como é que o senhor avalia este episódio hoje ? Que importância este plano teria para a história do país ?
Cavalcanti : “Hoje, nós estamos diferentes”.
GMN – Mas, na época, a anexação poderia ter acontecido?
Cavalcanti : “Poderia ! Poderia ter acontecido. E seria aceito pela França. A base francesa tinha um coronel que vivia bêbado. Era um batalhão de elite – que foi para dentro da selva. A gente via que eles tinham desejo que aquilo acontecesse. A anexação seria uma operação militar. Uma estação de rastreamento seria criada’’.
GMN – Depois que recebeu a notícia da renúncia do presidente, o senhor se sentiu aliviado diante da perspectiva da invasão da Guiana ?
Cavalcanti : “Tive um sentimento de perda. Eu pensava que o caminho era aquele. Pode ser orgulho meu”.
Fonte: Força Terrestre
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