Especialistas dizem que impunidade e lentidão também é causada pela mudança de instâncias de processos contra políticos
O mecanismo é visto como um dos fatores para a impunidade no país: segundo pesquisas, poucos casos julgados com esse mecanismo geram condenações.
O Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) debatem, de forma paralela, meios para restringir os casos de foro por prerrogativa de função, conhecido como foro privilegiado.
Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato apontam que, de fato, o foro tem gerado obstáculos aos processos, mas por razões mais complexas do que apenas sua existência.
“O conceito acabou sendo distorcido pelo sistema político, de um modo particular, no qual há mudanças de foro, vão de um lugar para outro, o que acaba legitimando a impunidade. De fato, existem motivos para redefinir o foro”, diz Leonardo Avritzer, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Thomaz Ferreira, professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, aponta que a discussão tem diversos eixos:
“Uma coisa é o foro em si: se vai ser julgado direto no tribunal ou na primeira instância. Outra é a mudança que ocorre entre as instâncias. Isso sim é, às vezes, usado - vemos, inclusive, políticos renunciando às vésperas de julgamentos para perder o foro”.
No final de maio, o Senado aprovou, em segundo turno, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 10, de 2013. O projeto segue agora para a Câmara.
Já o plenário do STF iniciou a votação sobre ação que pede reinterpretação da Constituição em relação ao foro privilegiado. O relator do processo, o ministro Luís Roberto Barroso, votou pela restrição ao uso do mecanismo.
A PEC aprovada pelos senadores extingue o foro privilegiado para crimes comuns, mantendo-o apenas para acusações sobre fatos ocorridos durante o exercício do mandato e a ele relacionados. As exceções são os chefes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e a vice-presidência da República, que mantêm o benefício na forma da lei atual.
“O que é peculiar, nesse caso, é que os políticos estão decidindo sobre algo que, neste momento, os afeta pessoal e individualmente”, comenta Thomaz Ferreira, professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro (RJ).
Avritzer aponta uma possível explicação para a movimentação dos congressistas: “Não é muito claro que o foro, tal como está operando hoje, favorece o sistema político. Na verdade, o foro opera de duas maneiras: de um lado, é um viabilizador da impunidade - 0,48% do casos chegados ao STF por esse mecanismo acabaram em condenações; por outro, para políticos de muita visibilidade, o Supremo tem julgado com muito rigor e de forma muito rápida. Provavelmente, para a grande maioria do Congresso, o foro não interessa mais”.
De forma similar à PEC, Barroso se manifestou no sentido de restringir o foro por prerrogativa apenas a casos ocorridos durante mandatos e a ele relacionados, mas inclui exceções em relação aos chefes dos poderes da República. Um ponto não presente na proposta do Legislativo é a ideia de que, ao ter um caso julgado com foro especial, o acusado não possa perdê-lo.
Após o voto do relator, o ministro Alexandre de Moraes pediu vistas da ação, que não tem, portanto, prazo para voltar a julgamento. Três outros integrantes da Corte - Rosa Weber, Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia - anteciparam seus votos aderindo à tese de Barroso. Celso de Mello e Luiz Fux já sinalizaram concordar com a decisão. Tal cenário garante maioria à restrição do instituto.
Ricardo Lewandowski é contra o instituto, mas, no passado, já declarou ser assunto a ser decidido pelo Congresso. Tal posição é compartilhada por Edson Fachin.
Gilmar Mendes, Dias Toffoli e o próprio Moraes contestam que o instituto seja gerador da impunidade citada por Avritzer, que defende a revisão do foro, ressaltando concordar com a ideia de que, institucionalmente, cabe ao Congresso tal modificação.
De acordo o professor da FGV, o voto de Barroso, ao defender a cristalização de instância, ataca exatamente este problema. Políticos podem perder o foro ao não se reelegerem ou mudarem de cargo, fazendo com que ações mudem de órgão competente para julgamento, o que é conhecido como “montanha-russa processual”:
“Um dos casos mais famosos é o do Azeredo, que estava sendo julgado pelo Supremo e voltou para a primeira instância em Minas [Gerais]”.
Diversas acusações relacionadas ao chamado "Mensalão Mineiro", que incluíam Eduardo Azeredo (PSDB), prescreveram por conta das mudanças de instância. Em 2014, quando era processado no STF, renunciou ao cargo de deputado federal, mudando seu foro. Esse problema seria maior do que a possível demora do próprio STF nesses casos:
“Nós teríamos que comparar com processos análogos em primeira instância para saber o quanto demora. Mesmo que o Supremo demore mais, há um argumento que aponta que a comparação não deve ser direta: se alguém é condenado na primeira instância, pode-se recorrer, inclusive até o próprio STF. Realmente, é possível que o processo como um todo iniciado em primeira instância demore tanto ou mais que o no Supremo”, compara Ferreira.
Nesse sentido, o professor avalia que o voto de Barroso, diminuindo o número de pessoas que tem foro, ataca a questão.
"Demorando mais ou não, as idas e vindas não irão ocorrer. Outra coisa é estabelecer que, a partir de determinado momento processual, aconteça o que acontecer, não muda de instância. Concordando ou não, a tese de Barroso tenta atacar o problema nas duas pontas. Mesmo que a pessoa perca o foro, a competência continua com o órgão originalmente responsável”, analisa Ferreira.
Fonte: Brasil de Fato
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