Ser progressista não absolve ninguém do racismo. Quando, na noite de ontem (7), o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso – conhecido por sua postura progressista em relação a polêmicas como aborto eguerra às drogas – chamou em tom elogioso o ex-ministro Joaquim Barbosa de “negro de primeira linha”, ele foi racista, sim.
Não se trata de uma gafe, como chamou O Globo, mas do racismo nosso de cada dia, que mais uma vez se esconde atrás de boas intenções fantasiadas de elogio. Ou, como o próprio Barroso afirmou ao pedir desculpas por sua “frase infeliz” nesta quinta (8), trata-se do “racismo inconsciente”.
Em seu discurso sobre a trajetória de Barbosa, na solenidade no STF em que foi descortinado o retrato dele na galeria de ex-presidentes da Corte, Barroso afirmou que “a universidade [Uerj – onde os dois lecionaram] teve o prazer e a honra de receber um professor negro, um negro de primeira linha vindo de um doutorado de Paris”.
Será que, se fosse branco, Barbosa seria chamado de branco de primeira linha? Tanto eu quanto Barbosa sabemos que não. Mesmo se negando a emitir opinião sobre a declaração do colega, o semblante do ex-ministro mudou no momento em que recebeu o “elogio”.
Nas suas desculpas, Barroso lamenta que possa ter reforçado estereótipos, mas foi exatamente o que fez. Em sua declaração, ele endossa a ideia de que a qualificação de doutor não combina com um negro, que estaria fadado ao “cerco da subalternidade”. No mesmo inconsciente em que habita o racismo, também mora a imagem do negro feito para servir. Quando esse negro ocupa um lugar diferente deste, a sensação é de estranheza ou de surpresa: “como assim um negro no comando?”.
É preciso apontar onde existe racismo e não camuflar as atitudes racistas como pequenos tropeços.
Em entrevista à BBC Brasil, o sociólogo da UNB Emerson Rocha, que desenvolveu um estudo com base em dados do IBGE sobre o negro no mundo dos ricos, aponta que à medida que os negros ascendem, novas formas de discriminação vão ganhando espaço. Segundo ele, por mais que seja diplomado e tenha uma carreira estruturada, ele sempre será um negro – talvez de primeira linha, mas ainda assim um negro. Situação que fica evidente com a declaração do ministro Barroso.
Sabemos das dificuldades no mercado de trabalho e no meio acadêmico. Por mais que o percentual de negros nas universidade tenha dobrado, graças a políticas afirmativas como as cotas e o ProUni, ele continua sendo menor que a metade de brancos universitários. O negro continua ganhando menos. A renda do branco é mais que o dobro que a do negro. Esse retrato se dá exatamente por conta desse racismo inconsciente e sutil manifestado por Barroso.
Por conta disso, é preciso mostrar onde existe racismo e não camuflar as atitudes racistas como pequenos tropeços. Mesmo que vindo de pessoas que majoritariamente apresentam um discurso progressista como o ministro Barroso ou no recente caso envolvendo a professora escritora Elika Takimoto e a política de cotas no Cefet. Apontar todo e qualquer racismo é um movimento necessário para enfrentá-lo em uma sociedade que insiste em negá-lo.
Fonte: The Intercept
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