A praticante de candomblé, Maria da Conceição Cerqueira da Silva, de 65 anos, alegou ter sido agredida por uma vizinha devido à intolerância religiosa, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, mas o caso foi registrado apenas como lesão corporal na 58ª DP (Posse). Segundo a filha dela, uma jovem de cerca de 25 anos arremessou uma pedra de quase dois quilos, ferindo a idosa no rosto e no braço.
Conceição foi socorrida no Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI), onde levou pontos na testa e na boca. Um advogado auxilia a aposentada, com o apoio da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR).
Conceição foi socorrida no Hospital Geral de Nova Iguaçu (HGNI), onde levou pontos na testa e na boca. Um advogado auxilia a aposentada, com o apoio da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR).
“Por que não registraram o caso como deveriam? Por que um caso desses é registrado apenas como lesão corporal?”, questionou Eliane Nascimento da Silva, de 42 anos, filha da vítima, ressaltando que a agressora discrimina sua mãe devido à religião que ela pratica, o que configuraria o episódio como intolerância religiosa. O advogado Gustavo Proença assumiu o caso de Conceição.
Eliane, por ser umbandista, afirmou não demonstrar publicamente tanto suas crenças, diferentemente da mãe, por também sofrer com o preconceito e temer pela segurança de sua família.
“Vivo na minha casa como se vivesse dentro de uma cadeia. Há anos não sei o que é sentar na minha calçada e passear com o meu cachorro. Quando saio, me cercam, fazem piadas. Eu ficava na minha, com receio, mais com medo de fazerem algo com minha mãe, comigo ou com a minha filha”, contou Eliane, acrescentando ainda que sua mãe não tem os mesmos receios, pois costuma dizer “Se eu tiver que sair de branco com as minhas guias, eu saio”.
Apesar disso, a aposentada instalou há quase dois anos câmeras de segurança em sua casa com o objetivo de afugentar agressores porque comumente sofre com a ação de pessoas que não a aceitam. A agressão da tarde da última sexta-feira, contudo, não foi captada pelo sistema de segurança, pois ela havia saído de casa para ir à mercearia comprar um isqueiro. Distante uns 100 metros, Conceição foi abordada, por meio de xingamentos, como “lá vem essa velha macumbeira. Hoje eu acabo com ela” e, então, ferida com uma pedra de dois quilos.
De acordo com Eliane, ela só não ficou em um estado pior porque colocou o braço esquerdo na frente do rosto no momento em que a pedra teria sido atirada em sua direção. Ela disse ainda que sua mãe chegou em casa “esvaindo em sangue” e seu pai, de 72 anos, e também aposentado, “ficou desesperado sem saber o que fazer”.
“Somos vítimas da intolerância dessas pessoas ao longo de anos. Nós ouvimos passar um grupo dizendo ‘olha a macumbeira, olha as feiticeiras’, ou então ‘não se aproxima porque são bruxas’. Quando pedia para parar, ouvia ‘por quê, sua velha fedida’. Já até colocaram pomba preta na laje dela. Levantou muro por causa disso”, disse Eliane, que trabalha como vendedora.
Ao procurarem a polícia, um agente da 58ª DP recomendou que Conceição recebesse atendimento médico antes de registrar ocorrência. Enquanto elas foram ao Hospital da Posse, a agressora teria entrado na delegacia e, conforme relatou Eliane, disse que estava passando mal por causa da idosa, alegando ter sido agredida com uma tesoura. No entanto, não havia marcas em seu corpo.
A rotina de Conceição inclui não apenas acordar às 5h30, lavar a calçada e varrer, mas também abaixar a cabeça perante os transeuntes que a xingam de “velha feiticeira, maluca e doida”, segundo Eliane, que enfatizou que o preconceito ficou ainda mais forte após a chegada da agressora à vizinhança. Mesmo após a agressão, chegou a ouvir moradores próximos dizendo “Agora ela vai sossegar, já teve o que mereceu”, às gargalhadas.
“Eu quero que o advogado enquadre os fatos como eles realmente aconteceram. Eles (vizinhos) querem que a gente saia daqui de qualquer maneira. Tudo porque não compactuamos com as mesmas ideias que eles. Minha mãe é uma pessoa guerreira, trabalhadora. Veio para o Rio com uma mão na frente e outra atrás. Nunca frequentou centro de candomblé do Rio porque é diferente do que ela ia no Nordeste. Mas isso não a impediu de fazer os cultuamentos dela. Por causa dos vasos de plantas e proteções, ninguém acha que é a casa de uma evangélica”, salientou Eliane.
A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), repudiou a agressão, por meio de um comunicado, em que afirmou esperar que esse episódio não caia em esquecimento. O Babalawo Ivanir dos Santos, interlocutor da CCIR, pretende agir e cobrar às autoridades competentes ações concretas sobre o ocorrido.
“A Conceição está sendo auxiliada por um advogado que entrou em contato com ela hoje (neste domingo). Quando às ações a serem feiras, primeiro, nós estamos tentando um contato com o chefe de Polícia Civil para a família conversar com ele porque o delegado não aceitou enquadrar o caso como tentativa de homicídio por intolerância religiosa. Não pode ser uma coisa tão simples (ficar registrado apenas como lesão corporal)”, afirmou Ivanir.
A pena prevista em lei nesse caso é a mesma para crimes de lesão corporal e de ultraje devido à crença religiosa – de três meses a um ano de detenção. No entanto, para os crimes relacionados à intolerância religiosa, a pena é aumentada em um terço quando há emprego de violência.
A Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos (SEDHMI) afirmou, por meio de nota, que prestará assistência à Conceição nesta segunda-feira, se colocando à disposição da vítima e de toda sua família, oferecendo assistência jurídica psicológica e social. O comunicado informou ainda que a pasta solicitará à Polícia Civil que o caso seja registrado como intolerância religiosa e acompanhará de perto as investigações.
“Casos como esse são inadmissíveis em nosso estado. Esta senhora foi vítima, no mínimo, de dois crimes: intolerância religiosa e agressão contra idosos. O crescimento do número de casos de intolerância e o aumento da sua gravidade reforçam a urgência da criação da Delegacia de Crimea Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). Crimes como esse, que envolvem o preconceito não só religioso, mas também à pessoa idosa, precisam ser combatidos. Pedimos para quem for vítima de qualquer agressão motivada por intolerância ou preconceito entre em contato com o nosso Disque Combate ao Preconceito”, frisou o secretário de Direitos Humanos Átila A. Nunes.
Em junho de 2015, uma agressão semelhante ocorreu contra Kailane, uma menina que, na época, tinha apenas 11 anos. A avó dela Káthia Marinho, que é mãe de santo, explicou que estavam vestidas de branco porque tinham acabado de sair do culto. Enquanto caminhavam com um grupo para casa, na Vila da Penha, dois homens começaram a insultá-los. Um deles jogou uma pedra, que bateu num poste e depois atingiu a menina. Os agressores não tiveram medida de punição.
Fonte: Revista Forum
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