Ocupação Mauá, um dos prédios que serão desapropriados pela prefeitura
A prefeitura de São Paulo tomou os
primeiros passos para começar a cumprir a promessa de reduzir o déficit de
moradia na cidade. A Secretaria de Habitação decidiu
publicar o Decreto de Interesse Social (DIS) de nove prédios ocupados por sem
teto, ato que representa o começo de um processo para desapropriar e reformar
os edifícios. Além disso, outros dois prédios serão adquiridos do
governo federal e quatro prédios ocupados, que já são
propriedade da prefeitura, serão transformados em moradia. A iniciativa é vista
com satisfação pelos movimentos sem teto, mas eles ainda desconfiam do projeto da gestão de Fernando Haddad (PT).
A expectativa dos sem teto era de que
todas as ocupações fossem reformadas para que eles passassem a ter moradias
descentes. O secretário de Habitação, José Floriano, diz, no entanto, que
apenas 25% dos sem teto que hoje ocupam esses edifícios devem retornar aos
prédios após a reforma. O restante das vagas será destinado a moradores de
outras faixas de renda. “Como são prédios antigos, e o custo das obras não é
barato, os apartamentos vão ficar numa faixa de valor final maior que a
possibilidade do pagamento de uma família que ganha até três salários mínimos,”
justifica José Floriano.
A prefeitura promete atender o restante
dos sem teto em outros programas de habitação do município, ainda que em
bairros afastados do centro. Os líderes das ocupações reivindicam todas as
vagas. “O movimento que cavou, que reivindicou seus direitos, que foi atrás de
lugar para morar. Então, que [as novas habitações] sejam do movimento,”
diz Ivaneti Araújo, líder da ocupação Mauá, um dos prédios que serão
desapropriados.
No caso da Mauá, há 237 famílias
morando no local. Com a reforma, conforme proposta dos sem teto, restariam 160
unidades. Ivaneti reivindica que as 160 famílias voltem ao prédio e as 47
restantes sejam alocadas em outros lugares, também no centro de São Paulo.
Há críticas também à forma como a
prefeitura criará novas moradias. O Movimento de Moradia Para Todos
(MMPT), que ocupa três prédios com o decreto publicado, faz críticas ao uso do
programa Minha Casa, Minha Vida e à destinação dos prédios para todas as faixas
de renda. “Tenho vergonha de o secretário destinar as migalhas que caem da mesa
para os trabalhadores de baixa renda. E são estes trabalhadores que executam e
seguram todo o luxo dessa burguesia exacerbada”, diz Edinalva Franco, líder do
movimento. “Este programa não atende os interesses de nossas famílias
trabalhadoras de baixa renda. Este programa atende os interesses das construtoras.” O MMPT defende que, em vez do Minha Casa, Minha Vida ou das parcerias
público-privadas (PPPs), seja adotada a locação social. Neste modelo, a
prefeitura permaneceria proprietária do edifício e cobraria um aluguel baixo
para as pessoas o ocuparem.
Floriano, o secretário municipal de Habitação, diz não descartar usar
esta modalidade em “um ou dois prédios”. Segundo ele, entretanto, não será
possível fazê-lo amplamente devido ao orçamento atual da pasta.
Outros prédios podem ser desapropriados
Desde o começo do ano, a secretaria mapeou 42 prédios ocupados no centro
da cidade. Outros 11 já tiveram ou terão a reintegração de posse decretada pela
Justiça. Segundo a secretaria, cerca de mil pessoas ocupavam estes prédios e
ganharam 900 reais de auxílio. Elas devem ser atendidas de forma prioritária
pelos programas de habitação da prefeitura.
A prefeitura também publicou o Decreto
de Utilidade Pública de outros três prédios na região. Segundo o secretário,
estes são os prédios onde não era possível criar unidades de habitação. Eles
devem ser usados para outros fins, como escritórios da administração
pública. Ainda há outros 13 prédios particulares cuja desapropriação está
em estudo pela prefeitura.
Decisão de gestão
anterior impede sem tetos de receberem unidades
Um dos entraves para implantar a
política é uma decisão do Conselho Municipal de Habitação, tomada na gestão de
Gilberto Kassab (PSD), cujo objetivo era punir os ocupantes. Ela impede as
pessoas que ocuparam prédios de participar em programas habitacionais na
cidade. A prefeitura atual quer revogar o texto, mas para isso é necessário
reunir o conselho novamente. A previsão da secretaria é que isso ocorra apenas
no segundo semestre deste ano.
Se a forma como os programas serão
realizados é muito criticada pelos movimentos, os sem teto ao menos têm uma
notícia positiva no trato que recebem da atual gestão. Raimundo Bonfim,
coordenador estadual da Central de Movimentos Populares, diz que isso mostra
uma mudança de tratamento pela prefeitura. “Não existia nenhum diálogo, mas sim
uma tentativa de criminalizar essa luta. Nessa administração abriu-se um
diálogo em relação a essas várias ocupações,” diz.
Ainda assim, sobram críticas e
preocupação. Ivaneti, da Ocupação Mauá, também diz
que as conversas com a prefeitura foram boas até agora. “Mas nós precisamos de
mais. Uma das nossas propostas é que não despejem se não tiver para onde
levar,” afirma. Nem todos, porém, estão satisfeitos com
o tratamento da secretaria. “Até hoje o que prevaleceram em suas vidas foram
apenas promessas de campanhas, que nunca saíram do papel. Elas não comem se
pagarem aluguel, e se comer vão para debaixo da ponte,” diz Edinalva, do MMPT.
Fonte texto: A Carta Capital
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