A proposta abaixo - de tratar a criminalidade paulistana como ato de terrorismo - não tem nenhuma relevância do ponto de vista de políticas de segurança. Estaria bem na boca de Ricardo Salles - o assessor do governador Geraldo Alckmin, do movimento "Endireita Brasil"- ou de qualquer blogueiro da ultradireita. E será ironizada por qualquer especialista em segurança, do mais empedernido direitista ao mais fanático esquerdista.
Mas é relevante do ponto de vista jornalístico, para mostrar como a linha política de ultradireita, adotada pelos jornais, reflete-se no colunismo.
Seu autor é Clóvis Rossi.
Não se exija dele ir às raízes maiores da violência recente de São Paulo. No jornalismo, o populismo requer apenas que o populista atenda aos anseios do leitor médio. E o estilo neocon adotado pelos jornais criou um leitor médio que quer sangue, vingança.
Não ofereça análises aprofundadas, contrapontos que mostrem a ineficácia das políticas de guerra nas cidades: vai apenas bagunçar a cabeça de quem se contenta meramente com a indignação solidária. E será capaz do leitor troglodita mandar um email para o jornal acusando o colunista de ter propensões esquerdistas e defender os criminosos contra as vítimas.
Raízes da violência
Há muitos pontos a explicar o recrudescimento da violência em São Paulo. Há uma violência difusa - cujo combate passa, sim, pela humanização da cidade, por trabalhos nas escolas, bares, pelo fortalecimento das relações sociais. E uma violência organizada, das organizações criminosas que dominam periferia - e que têm que ser combatidas implacavelmente, mas com inteligência.
O fato recente que estimulou a violência difusa foi a guerra selvagem que a Polícia Militar declarou ao crime organizado, endossada por declarações irresponsáveis do governador Geraldo Alckmin.
Detonada a guerra, rompeu-se o pacto tácito que impedia as organizações criminosas de avançarem o sinal. Antes, ajudavam a reprimir crimes leves e - acima de tudo - evitavam crimes contra autoridades (os PMs) e mesmo contra a classe média, para não deflagrar a grande guerra que atrapalha economicamente seus negócios.
Quando instaurou-se o vale-tudo – isto é, o clima de guerra proposto por Clóvis – virou um salve-se quem puder. A ponto do próprio Alckmin ficar à esquerda de Clóvis Rossi e nomear para a Secretaria de Segurança um secretário cuja primeira medida para conter a violência foi desarmar o clima de guerra.
Depois do maior crime da história - o assassinato de mais de 500 pessoas, em 2006, cometido pela PM paulista em represália à ação do PCC - virou um vale-tudo, no qual as maiores vítimas são os inocentes. Esse é o diagnóstico de um Secretário de Segurança responsável, de um governo ultraconservador, como o de Alckmin.
O Secretário proibiu que PMs atendessem às vítimas de tiros no local do crime, porque sabia que em muitos casos elas seriam executadas, aumentando ainda mais o clima de violência.
E, francamente, taxar como "rendição" o conselho para que os cidadãos (que não tem experiencias com armas, com a violência) não reajam aos agressores é de causar inveja até ao nobre professor Hariovaldo. Trata-se de norma de prevenção de qualquer polícia do mundo.
Da Folha
por Clóvis Rossi
Não há razão para não rotular de terrorismo a criminalidade que aterroriza São Paulo
Por que o ataque a um soldado britânico numa rua de Londres é considerado um ato de terrorismo e a penca de ataques que ocorrem todos os dias em São Paulo e demais cidades brasileiras não é?
O intuito pode ser diferente (não roubaram nada do soldado), mas o resultado final é idêntico ao que o terrorismo busca: aterrorizar uma determinada comunidade.
São Paulo está visivelmente aterrorizada, faz muitos anos. E só faz ficar mais e mais em pânico, à medida que o tempo passa e nada se faz para enfrentar o terrorismo.
Até a incubadeira de criminosos tem certo grau de parentesco. No Reino Unido, são pregadores fanatizados do islã que distorcem a religião para armar de jovens inadaptados. No Brasil, é, acima de tudo, a inadaptação de jovens à vida se não tiverem a muleta da droga, para cuja obtenção fazem de tudo.
No resto do mundo, o consumo de drogas está inexoravelmente ligado à criminalidade, quando ela não é rotulada de terrorismo.
A grande diferença entre um terror e outro é o comportamento do cidadão comum. São Paulo rendeu-se. Rendição tornada oficial pela orientação da polícia para que ninguém reaja quando assaltado. Entregue o que tem, para tentar salvar a vida. O pior da rendição é que já não impede o fuzilamento sumário da vítima, como visto recentemente.
O Reino Unido, ao contrário, não se rendeu ao terrorismo. Ao contrário. Cobri para a Folha os atentados ao metrô e a um ônibus, oito anos atrás, e encontrei uma cidade disposta a não se dobrar. Não que houvesse um espírito de heroísmo latente em cada cidadão. Havia estoicismo. Todos pareciam dizer: se temos que passar por isso, que o seja da melhor maneira possível.
É sintomático desse tipo de atitude a que tomou Ingrid Loyau-Kenneth, professora aposentada, que se atreveu a dialogar com Michael Adebolajo, o jovem de origem nigeriana que aparece em vídeo amador com as mãos ensanguentadas, segurando uma faca e um cutelo.
Quem no Brasil se atreveria a chegar perto de alguém armado?
Ingrid chegou e travou com ele um diálogo mais ou menos assim:
--Estamos em guerra com vocês, disse Michael.
--Vai perder, você está sozinho e nós somos muitos, retrucou Ingrid.
No Brasil, o diálogo seria ao contrário. O bandido é que diria "perdeu, tio (ou tia)", o habitual grito de guerra com que assaltantes se apossam de algum bem alheio.
Não sei se trocar a rendição pela resistência é bom caminho no Brasil. Talvez só aumente a cota de cadáveres de inocentes. Talvez.
Mas a resistência em Londres é acompanhada de uma sensação de segurança desconhecida em São Paulo e talvez no resto do Brasil. Nunca me esqueci de uma caminhada pelas ruas de Londres, anos atrás, com minha filha que então morava lá e, a horas tantas, soltou: "Pai, você não sabe como é bom poder caminhar pela rua sem precisar olhar para trás."
Não é que não haja criminalidade em Londres ou no resto da Europa. É que nem as autoridades nem a sociedade se renderam.
Fonte texto: Luiz Nassif On Line
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