“Alguém raspa a cabeça dessa mulher, agora!”
Foi essa, sem dúvida, minha primeira reação ao ver as imagens da pequena Bella ao lado do relato de sua mãe em que, com muita tristeza, via-se e lia-se, sobre um fim de semana pavoroso em que uma criança feliz, empoderada, teve seu cabelo completamente modificado e sua autoestima totalmente abalada para atender as exigências estéticas de sua madrasta, e da comunidade que a cerca, sem a menor preocupação com o que ela gostaria ou sobre como ela se sentia a respeito de seu próprio corpo.
Foi essa, sem dúvida, minha primeira reação ao ver as imagens da pequena Bella ao lado do relato de sua mãe em que, com muita tristeza, via-se e lia-se, sobre um fim de semana pavoroso em que uma criança feliz, empoderada, teve seu cabelo completamente modificado e sua autoestima totalmente abalada para atender as exigências estéticas de sua madrasta, e da comunidade que a cerca, sem a menor preocupação com o que ela gostaria ou sobre como ela se sentia a respeito de seu próprio corpo.
Esse caso escancara a realidade das relações parentais no Brasil, e sobretudo, da forma em que reagimos comunitariamente a essas relações. A existência de filhos em comum pressupõe, independente do casamento, a guarda bilateral, ou seja, ambos os pais deverão se responsabilizar pela criação de seus filhos. A realidade fria, por óbvio, passa muito longe disso, com pais que muitas vezes se recusam até mesmo a registrar filhos que sabem ser seus. Extremos afastados, temos uma grande maioria de regimes de cuidado estabelecidos por acordos judiciais que deixam para as mães o cuidado diário e para os pais a obrigatoriedade de colaboração no subsídio das crianças – a famosa, e tão desproporcional à realidade dos gastos, pensão – além de eventuais dias de visita, guarda nas férias e qualquer outro tema considerado relevante pelos genitores.
A regra é clara e a lei é dura: Cuidar é responsabilidade dos pais. Não é dos avós, não é da vizinha gente fina, não é da madrasta. É da mãe e é do pai ou, na ausência deles, de quem legalmente seja guardião.
Os olhos não podem deixar de se voltar para o pai que permitiu que tudo isso acontecesse. O pai, que no dia de visita deixou a filha com outros para passar por procedimentos que são – e falo como quem já passou por eles – demoradíssimos. O pai que conhece a mãe e, deveria, conhecer a filha, e portanto saber minimamente dos significado que uma mudança como essa trataria na vida dessa menina. O pai, que permitiu a violência e nada fez para afastá-la ou cessá-la. A culpa é dele que tinha a responsabilidade de zelar pela criança.
A madrasta é culpada também, por óbvio. Foi ela a submeter a criança a toda essa humilhação. Pelas mãos dela que tudo se deu. Ao que me perguntam, digo que foi racismo, em sua forma mais triste. Não vi a madrasta, mas sei das imposições que a sociedade nos coloca, sei que o racismo atua de forma sorrateira, que é estrutural, que ela pode acreditar estar fazendo um bem para a criança, adequando-a, sei de tudo isso, mas sei também que nada disso a redime: Foi, sim, racismo. E pior, racismo validado por aquele que, legal e moralmente era responsável por proteger e evitar situações como essa.
Relativizar a responsabilidade do pai só mostra o quanto estamos longe de ser uma sociedade minimamente igual, sob vários aspectos. Fosse a mãe a deixar a filha com o padrasto, a notícia já nos chegaria como caso de polícia.
Fonte: Justificando
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