A cada
ano, o orçamento do governo brasileiro destinado à ciência e tecnologia vem
caindo sistematicamente. Em 2010, o gasto total foi de R$ 10 bilhões (em
valores atualizados pela inflação). Já em 2018, esse valor será de apenas R$ 3,4 bilhões.
Outro duro golpe aconteceu em 2016, pouco antes do impeachment de Dilma Rousseff, quando o ainda interino governo Temer anunciou o fim do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. A pasta foi fundida ao Ministério das Comunicações. De acordo com a comunidade científica, a medida serviu para alertar que a pesquisa não seria prioridade para Temer.
Outro duro golpe aconteceu em 2016, pouco antes do impeachment de Dilma Rousseff, quando o ainda interino governo Temer anunciou o fim do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. A pasta foi fundida ao Ministério das Comunicações. De acordo com a comunidade científica, a medida serviu para alertar que a pesquisa não seria prioridade para Temer.
O
presidente virou assunto até da conceituada revista Nature, que em 2016
publicou reportagem sobre os cortes de gastos e a ameaça que isso representa
para o desenvolvimento da ciência nacional. "Isto é uma atitude de guerra
contra o futuro do Brasil. Cientistas vão deixar o país", disse à revista
Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN).
Uma vez
empossado, o presidente foi desferindo mais golpes na comunidade científica.
Outra medida danosa foi a chamada PEC do Teto, que condicionou o crescimento
dos gastos públicos ao aumento da inflação. O único jeito de um ministério
aumentar seus gastos é se a inflação subir. Se isso não acontece, tudo
permanece como está.
Temer
acelerou a marcha do que já não andava bem. A crise econômica atingiu em cheio
o setor da pesquisa no Brasil ainda durante o governo de Dilma Rousseff. Nos
últimos dez anos, o orçamento do ministério encolheu
30%. Em 2015, o extinto Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação
teve sua menor verba em sete anos
(R$ 4,6 bilhões). O CNPq tesourou em agosto 20% das bolsas de iniciação científica
oferecidas a estudantes do ensino médio e da graduação. Pesquisadores da
entidade acusaram o governo de reduzir em até
30% a verba destinada às bolsas de produtividade.
Desse
cenário de terra arrasada nasceu um projeto político que quer colocar os
próprios cientistas para brigar por suas demandas no lado de dentro da
política. Os Cientistas Engajados, primeira "bancada
científica" do Brasil, pretende começar a alertar a população para a
importância do investimento em ciência e tecnologia e os riscos que o país
corre se ficar para trás. Os pré-candidatos-cientistas são Walter Neves,
professor aposentado da USP e antropólogo especialista em evolução, e Mariana
Moura, doutoranda na mesma universidade, onde pesquisa a transferência de
valores na cadeia energética. Neves concorre a deputado federal e Moura, a
deputada estadual, ambos pelo estado de São Paulo.
Em
conversa com o Motherboard Brasil em café na Avenida Paulista, a dupla explicou
como nasceu o projeto. De acordo com Moura, o grupo dos Cientistas Engajados
reúne mais de 110 pessoas de universidades brasileiras e do exterior. "A
gente se reúne regularmente para discutir a participação política dos
cientistas", relata. Neves define o projeto com "um grupo de
cientistas que se encheu de ficar de braços cruzados esperando as coisas
acontecerem". Dentre todos os deputados da Câmara, afirma o professor
aposentado, "ninguém defende a bandeira da ciência e tecnologia".
Outro
problema é a falta de iniciativa da própria comunidade científica, avalia o
antropólogo. "Se fazer documento [denunciando a falta de verba para
pesquisa e ciência] funcionasse, nós não estávamos com o orçamento mixuruca que
teve para 2017 e, provavelmente, para 2018 também. Cansamos, a palavra é
essa", diz Neves.
A escolha
do partido, de acordo com a dupla, se deu de acordo com dois critérios: a
incorporação da pauta de reivindicações dos Cientistas Engajados e não ter a
reputação manchada por escândalos de corrupção. Neves e Moura serão candidatos
pelo Partido Pátria Livre (PPL), fundado em 2011 e que se autoproclama de
esquerda. A aspirante a deputada federal é, aliás, uma das fundadoras da
agremiação. Nenhum outro partido procurou a dupla, afirmam.
A
plataforma eleitoral da "bancada da ciência" gira em torno, claro, de
aumento de investimentos na área. No nível federal, alçada de Walter Neves, uma
das ideias é recuperar a autonomia do ministério e desvinculá-lo do Ministério
das Comunicações. Além disso, explica o candidato, sua proposta é aumentar o gasto
com ciência em 0,5% ao ano, até chegar ao patamar de 3,5%. A partir disso,
explica, esse piso mínimo seria "constitucionalizado".
No estado
de São Paulo, avalia Mariana Moura, a infraestrutura de pesquisa tem um bom
nível, mas é preciso integrar os diferentes institutos, universidades e
entidades para que haja um melhor aproveitamento do que está disponível.
"Não existe uma política pública que estimule a integração", afirma.
Para isso, Moura quer "fomentar as áreas mais importantes e estratégicas
para o estado de São Paulo". "Tem que ter fonte de financiamento
regular. A pesquisa e o ensino têm que chegar na sociedade; a extensão é uma
parte importante disso. E utilizar a infraestrutura existente para poder
produzir inovações e fazer com que a ciência traga resultados para a
sociedade", defende.
De acordo
com Neves, existem algumas prioridades. "O que me fez aceitar o convite é
[lutar] pela erradicação da miséria", diz. "Se não tiver comida, o
povo nunca vai entender o que é ciência e tecnologia. Hoje nós temos 13 milhões
de pessoas passando fome todo dia no Brasil. Isso é pornográfico", avalia.
Por isso, além de defender os interesses dos cientistas, o pré-candidato quer
se dedicar a essa bandeira prioritariamente. "Proponho como estratégia emergencial
estender o Bolsa Família para esses 13 milhões e a gente voltar por aquela
bandeira do Suplicy, a da renda universal, que eu acho fundamental se a gente
quiser pensar em um mínimo de redistribuição de renda. E taxação das grandes
fortunas e dos grandes salários", diz.
Neves e
Moura admitem que um dos principais empecilhos de suas campanhas será chegar ao
grande público. Ele se diz pessimista "exatamente pela questão da
distância entre a comunidade científica e a população em geral. A Mariana é mais
otimista [risos]!" Ela vê um espaço para que a pauta tenha mais penetração
no eleitorado brasileiro, principalmente entre os mais jovens: "[Pesquisa
da Finep] perguntou aos jovens que importância eles [estudantes de 12 a 17
anos] davam para ciência e tecnologia. O resultado foi que três em cada quatro
jovens achavam importante esse investimento [na verdade, três em cada quatro
acham que o ensino de ciência e tecnologia deve ser obrigatório nas escolas; a
proporção de quem defende mais investimentos na área é ainda maior:
82,6%]."
A
campanha, acredita Moura, será uma oportunidade para mostrar para as pessoas
que investir em ciência é investir em saúde, é investir em educação, em
segurança. "O que aprendi nesses 40 anos fazendo divulgação científica é
que as pessoas não têm só fome de comida", acrescenta Neves. "Por
mais simples que seja uma pessoa, ela tem uma fome imensa por conhecimento. [É
necessário] colocar conhecimento na mesa do povo. E não acho que deva haver uma
relação hierárquica entre essas coisas, uma ser mais importante que a
outra."
Para os
Cientistas Engajados, alcançar a comunidade científica de São Paulo já será uma
vitória importante, ainda que pequena em comparação com o eleitorado total do
estado.
Quando
perguntado a respeito de como será uma futura atuação da bancada no dia a dia
dos dois parlamentos, Neves diz que pretende "lutar para que a barbárie
não se estabeleça no país". "Essa é, na verdade, a minha grande
bandeira", diz.
O
candidato a deputado federal pretende estabelecer um diálogo mínimo com
"as pessoas que não têm as mesmas bandeiras que a gente". "Acho
que vai caber a mim tentar resgatar o pouco de humanidade que ainda sobrou e
usá-la para esse diálogo. Mas, às vezes, não sobrou humanidade nenhuma, como é
o caso do Bolsonaro. Esse não tem o que salvar. Aí, o que você tem que fazer é
ir para uma estratégia de enfrentamento." Se for necessário brigar contra
as forças que considera reacionárias, o antropólogo diz estar pronto. "Meu
apelido vai ser 'caçador de trogoloditas'", imagina.
Fonte: Vice
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