Segundo organizações, em 2017 foram assassinados 142 lideranças populares e defensores de direitos humanos no país
Ainda segundo o relatório, "a violência contra líderes sociais e defensores de direitos humanos se intensificou em 2016 e continua com essa tendência nos primeiros seis meses do presente ano".
Olimpo cita o caso dos "falsos positivos" como exemplo desse tipo de ação. "Matavam camponeses e vestiam com as roupas da guerrilha para dizer que estavam acabando com a guerrilha", explica.
Ainda segundo o relatório, "a violência contra líderes sociais e defensores de direitos humanos se intensificou em 2016 e continua com essa tendência nos primeiros seis meses do presente ano".
Olimpo cita o caso dos "falsos positivos" como exemplo desse tipo de ação. "Matavam camponeses e vestiam com as roupas da guerrilha para dizer que estavam acabando com a guerrilha", explica.
Os processos de paz colocaram, novamente, a Colômbia na vitrine mundial e o "pós-conflito" vem sendo acompanhado de perto por diversas entidades nacionais e internacionais. Um ano após a implementação do acordo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), completado neste 1° de dezembro, organizações de direitos humanos se manifestam chamando a atenção para a violência que persiste.
Mas por que segue um cenário de violência mesmo após a assinatura e a negociação dos acordos de paz? Esta é a pergunta que motivou a reportagem do Brasil de Fato em terras colombianas.
Em uma atividade de balanço do Acordo de Paz, realizada na última sexta-feira (1°), Iván Márquez, líder da Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC) – como foi batizado o grupo político originado a partir da guerrilha –, fez um balanço crítico do momento, o qual ele caracteriza como "a atual crise pela qual atravessa o processo" de paz.
"Ela [a crise] arrasta também os imcumprimentos ou cumprimentos pela metade dos compromissos do governo em torno da garantia de segurança jurídica, física ou socioeconômica. Ainda há guerrilheiros na prisão, apesar da anistia. Nos últimos meses, foram assassinados 26 integrantes das FARC e 11 de seus familiares. E continua o extermínio de líderes sociais", denunciou.
Um dos casos é o do ex-combatente Luis Alberto Ortiz Cabezas, que com apenas 15 dias de liberdade foi assassinado em sua casa no distrito de Llorente, no departamento (estado) de Tumaco. Ele foi um dos beneficiados pela Lei de Anistia e Indulto, fruto do acordo de paz. Na ocasião, os integrantes das FARC na zona de transição local cobraram mais uma vez as garantias do acordo, "condição primordial para garantir uma paz estável e duradoura", disse o comunicado.
Em abril deste ano, segundo o jornal El Heraldo, o autor do assassinato de Ortiz Cabezas foi capturado, conforme informou o Procurador-Geral da Colômbia, Néstor Humberto Martinez. O acusado Hérnan Pascal pertencia a um grupo criminoso que atuava na região. A proteção dos ex-integrantes e ex-combatentes é também um dos pontos do acordo de paz.
Para Jhon Leon, integrante da Comissão de Seguimento, Impulso e Verificação da Implementação (CSIVI) do Acordo de Paz, o maior problema está na fase de implementação. "O que estamos vendo é uma renegociação do Acordo de Paz. Tudo o que foi acordado em Havana [capital cubana que recebeu as negociações] vem sendo objeto de renegociação pelas instituições, que deveriam simplesmente implementar", destaca, em entrevista ao Brasil de Fato.
O acordo, após sua assinatura no dia 24 de novembro de 2016, tinha como objetivo passar "direto" para a fase de implementação, mas uma decisão da Suprema Corte colombiana, no final de 2016, não permitiu a votação em bloco pelo Congresso Nacional, e alguns dos pontos acordados agora estão sendo regulamentados nas duas casas legislativas. "É como se o acordo tivesse sido assinado somente com [o presidente colombiano] Juan Manuel Santos e não com o Estado. É necessário entender que o acordo foi assinado com o Estado colombiano e tem força de tratado", reforça o ativista.
Levantamentos
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) publicou uma nota, no último dia 17 de novembro, na qual destaca a "preocupação pelo aumento do número de líderes sociais assassinados". O órgão também informou que houve o deslocamento forçado de, pelo menos, 1,5 mil pessoas no Pacífico colombiano – região que concentra grande parte dos conflitos –, somente neste ano. O número de mortes é de 78, e há outros 13 casos suspeitos de serem assassinatos seletivos, em 2017. O ACNUR destaca ainda que grande parte dos líderes ameaçados ou assassinados pertencem a comunidades afro ou indígenas.
Porém, o cálculo total das mortes não é algo simples de se definir. Estado colombiano e organizações de direitos humanos divergem nos registros de violência, o que interfere nas investigações.
Os órgãos oficiais responsáveis por investigar esse tipo de crime são a polícia, a Defensoria do Povo e a Procuradoria Geral da Nação, que tem como base os dados estatais. O ministro da Defesa colombiano, Luis Carlos Villegas, alega que o governo está preocupado com os casos, mas aponta uma cifra menor do que as apresentadas pelas entidades da sociedade civil. No total, o governo reconhece 54 casos neste ano. A informação é do jornal El Espectador.
Já um levantamento feito pelo Centro de Investigação e Educação Popular (Cinep), pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz), pela Comissão Colombiana de Juristas (CCJ) e pelo Instituto de Estudos Políticos e Relações Internacionais (Iepri) da Universidade Nacional da Colômbia, indica que, no ano de 2016 – período que engloba as negociações do acordo –, foram registrados um total de 101 violações do direito à vida, sendo 98 homicídios e três desaparições forçadas.
De acordo com o Movimento Político e Social Marcha Patriótica – articulação que reúne movimentos populares da Colômbia e que é uma das organizações que mais registram militantes mortos –, ao longo deste ano foram, pelo menos, 142 assassinatos líderes sociais e defensores de direitos humanos, quase todos em regiões onde há "zonas especiais de paz".
Entre os suspeitos apontados pelas organizações sociais como promotores da violência, estão grupos armados de extrema-direita, os chamados paramilitares. Oficialmente, o governo nega a existência destes grupos, já que eles teriam se desmobilizado entre 2003 e 2006, após anúncios de encerramento das mesmas, durante a Presidência de Álvaro Uribe (2002-2010).
Contudo, existem denúncias que apontam que homens uniformizados e armados continuam controlando alguns territórios e poderiam pertencer a pequenos grupos residuais fruto deste processo.
Para a Anistia Internacional, o controle de alguns territórios onde antes estavam as FARC vem sendo disputado por outros atores armados, como os paramilitares e outros grupos guerrilheiros. "Em abril, várias ONGs [Organizações Não Governamentais] locais denunciaram que um grupo armado de uns 150 paramilitares das Autodefesas Gaitanistas da Colômbia (AGC) havia entrado na comunidade afrodescendente de Teguerré, no departamento do Chocó [região Noroeste]", diz o comunicado publicado no último dia 22 de novembro.
Para Maria Consuelo Tapias, delegada do Exército de Libertação Nacional (ELN) para mesas de diálogo, que está em negociação pública de paz com o governo e em estado de cessar-fogo bilateral com o Estado, "o governo deve assumir a responsabilidade e o compromisso claro de proteção à vida".
A delegada destaca que, em algumas regiões, o aumento e o aparecimento de outros grupos armados vêm sendo denunciados pela população. "Os líderes sociais do [departamento de] Chocó já estiveram presentes três vezes na mesa de diálogo em Quito [capital do Equador e que sedia as negociações de paz] e vêm denunciando que estão em seus territórios mais de 200 paramilitares uniformizados e protegidos pelo Exército", afirma ao Brasil de Fato.
Dentre as possíveis causas para a presença deste tipo de força na região, ela aponta a exploração de recursos naturais. "Onde existe a luta contra a mineração ilegal, contra o extrativismo, é onde os líderes estão sendo assassinados", ressalta.
"O governo fala em pós-conflito, mas para nós, do ELN, o conflito continua. O conflito político e armado não terminou, não se eliminaram as causas que originaram o conflito armado na Colômbia. Estamos percebendo a falta de capacidade de resposta e a pouca vontade política que existe para resolver pela via negociada o conflito político que já leva mais de 70 anos", destaca.
Denúncias
Um ponto em comum entre os líderes assassinados é que todos pertencem a organizações locais, mas estas estão vinculadas a plataformas nacionais, como é o caso da Marcha Patriótica, do Congresso de los Pueblos, do Processo de Comunidades Negras da Colômbia (PCN-Afro) e da Organização Nacional Indígena da Colômbia (Onic). Existem ainda casos de sindicalistas filiados à Central Unitária dos Trabalhadores da Colômbia (CUT).
Para Cristian Raul Delgado, coordenador da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Marcha Patriótica, essa é uma tentativa de enfraquecer a atuação política nas comunidades.
"Esses líderes fazem mobilizações, reivindicam direitos, se opõem à mineração. Também líderes que defendem a substituição gradual e voluntária dos cultivos de uso ilícito da coca. É a tentativa de romper a organização social de baixo para cima, porque provoca medo", afirma Delgado, em entrevista ao Brasil de Fato.
Outro fator é a forma como os homicídios são cometidos, mais de 70% foram realizados por sicários (assassinos pagos), com uso de arma de fogo de largo e curto alcance, e parte utilizavam veículos como carros e motos. Existem casos em que foi utilizada arma branca, principalmente naqueles em que foi constatada tortura, explica o coordenador.
Origem
A violência e a perseguição a líderes sociais na Colômbia têm uma origem histórica, conforme explica Olimpo Cádenas, integrante do Congresso de los Pueblos – também uma articulação nacional que reúne movimentos populares. Desde os dois mandatos do governo do ex-presidente Álvaro Uribe Vélez, de inclinação conservadora de direita, quando uma doutrina militar foi aplicada como política de Estado, iniciou-se um discurso de "inimigo interno" a ser combatido.
"Uribe assume o cargo dizendo que ia acabar com as FARC e as guerrilhas, mas, em paralelo, começa a relacionar as organizações e movimentos sociais com os grupos armados, os chamando de guerrilheiros disfarçados", conta ao Brasil de Fato.
Este tipo de caso veio à tona quando um grupo de mães de jovens da periferia de Bogotá denunciaram que seus filhos haviam desaparecido e, posteriormente, foram encontrados mortos em outros departamentos da Colômbia. Ao indagar as autoridades, a informação fornecida foi a de que eles eram guerrilheiros e haviam sido mortos em combates com o Exército. Mas um dos jovens, segundo testemunhas, tinha uma incapacidade no braço direito e problemas mentais. Além disso, a roupa com que ele foi encontrado não apresentava as perfurações dos disparos que o levaram à morte.
Na ocasião, Uribe disse que as mães haviam admitido que seus filhos estavam envolvidos com atividades ilegais, após uma reunião para tratar do assunto. Elas negaram e cobraram explicações do ex-presidente, que foi obrigado a pedir desculpas por acusá-los de crime.
Os dados sobre os "falsos positivos" não são precisos, pois existem muitas investigações em andamento na Justiça colombiana, mas se utiliza um número de aproximadamente 3.500 mortes em circunstâncias semelhantes.
Olimpo Cádenas destaca ainda que o assassinato de líderes sociais não é recorrente no país. "É inadmissível, mas não é uma novidade, é uma prática sistemática já demonstrada por várias investigações", afirma.
Futuro incerto
De acordo com os comunicados da CSIVI, existe um atraso no calendário da implementação do Acordo de Paz com as FARC, mas a situação pode se tornar ainda mais complicada. "O Fast Track [agilidade na tramitação dos projetos no Legislativo] acaba este ano, mas 2018 é um ano eleitoral e a correlação de forças políticas está se reajustando", contextualiza Jhon Leon, integrante dessa comissão de acompanhamento dos acordos.
"A implementação deve acontecer sob dois aspectos a integralidade e a simultaneidade. Não é possível falar em reincorporação dos ex-combatentes das FARC se ainda existem integrantes no sistema carcerário ou se ainda existem mandados de prisão. Alguns não tem nem a cédula de cidadania, e isso implica não poder entrar no sistema de saúde, ou outros programas. Tudo que tem a ver com a questão da Justiça e de segurança. Sem isso, o acordo pode ser destruído", finaliza.
Fonte: Brasil de Fato
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