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terça-feira, 4 de agosto de 2020

Por que mães negras nos ensinam a colocar os pés embaixo do banco

Como uma mulher que não “se formou na escola”, minha mãe não tem o conhecimento acadêmico para argumentar os inexplicáveis “porquês” das causas e efeitos dessa desgraça (num enfático baianês) chamada racismo. Sua sabedoria é da vida e do legado de antepassados. E ela ainda desenhava para eu entender melhor: “Olhe, quando se sentar, coloque os pés debaixo do banco”. Pois é, meus amigos e amigas, talvez vocês também tiveram uma educação que tentou abrir seus olhos para evitar algo que está em todo lugar e que para “se espalhar” você deveria lutar para mudar a história.
Essa é uma expressão que cresci ouvindo minha mãe falar. Até hoje ainda ouço e reflito sobre esse “ditado-popular” que demorei um tempo para compreender: tome cuidado com o racismo.

Como uma mulher que não “se formou na escola”, minha mãe não tem o conhecimento acadêmico para argumentar os inexplicáveis “porquês” das causas e efeitos dessa desgraça (num enfático baianês) chamada racismo. Sua sabedoria é da vida e do legado de antepassados. E ela ainda desenhava para eu entender melhor: “Olhe, quando se sentar, coloque os pés debaixo do banco”. Pois é, meus amigos e amigas, talvez vocês também tiveram uma educação que tentou abrir seus olhos para evitar algo que está em todo lugar e que para “se espalhar” você deveria lutar para mudar a história.

Para ilustrar um pouco mais, outro dia estava pensando que só agora durante a pandemia eu consigo pegar um carro por aplicativo e viajar no banco de trás. Não estou falando de estar com máscara, vou repetir: eu nunca me sentei no banco de trás do carro por aplicativo e nem do taxi. Nem quando estou acompanhado por outra pessoa, seja amigo ou uma companheira, um dos dois tem que ir na frente com o motorista. Por que isso? Sempre observei que os homens brancos desta cidade tão negra não têm essa preocupação em sentar-se atrás, em ficar no celular durante a viagem, em não fazer movimentos bruscos, em serem simpático por obrigação, pra não serem mal interpretados e denunciado num jogo de luz com a primeira viatura que encontrar.

Um vídeo do Quebrando Tabu que circula nas redes sociais me emocionou e motivou a fazer esse texto-desabafo. Nele, mulheres negras falam sobre como sonharam em serem mães e como temem em ter uma de suas valiosas pérolas negras expostas a situações racistas. Mulheres negras de diferentes faixas etárias compartilham suas angústias e desesperos diários (des)motivadas pelo racismo. E tudo que elas falaram eu já ouvi de minha mãe, mesmo através de códigos, era assim que falávamos: como se comportar, o que falar, onde e quando ir, qual cor de roupa evitar e com qual tamanho de cabelo. Barba? melhor evitar! Lá se vão 41 anos e eu ainda não consegui viver um único dia sem pensar, falar e/ou evitar o fato de não ser confundido com um marginal (sem aspas mesmo).

Independentemente da idade, essas mães do vídeo poderiam ser minha mãe. É arrepiante perceber que o racismo nos acompanham nas mais diferentes fases da vida. Do distanciamento da professora da escolinha ao epistemicídio do doutorado; do tema da festa do primeiro aninho às cicatrizes do cinquentenário; da invisibilidade das bonecas negras às recorrentes batidas policiais por estarmos em carros importados. Sempre resistimos, mas confesso que não é fácil e cansa!

Parem de nos matar! Esse é o sentimento que as mães que relatam nossas histórias no vídeo citado acima transmitiram pra mim. Mas aproveito aqui o indesejado ensejo para comentar a complexidade que é ser o alvo prioritário das balas que, de perdidas, só mesmo as nossas vidas ceifadas. Em épocas onde faltam analgésicos para pessoas entubadas por consequência da Covid-19 e sobram negacionismo hidroxicloroquinóides, os jornais revelam o peso sobre nossos pescoços através do crescimento do registro de armas (tema que pretendo falar em breve).

O link do vídeo está no final do texto. Não sei como as imagens podem chegar até você, as dores que lá estão é gatilho puro. Os silêncios gritantes de outras mulheres e homens que podem ter “optado” em não ter filhos e filhas e tantos outros debates que podem surgir a parte das verdades que estamos re-vivendo ao assistir e existir.

Neste 25 de julho, fica aqui minha homenagem e solidariedade às mulheres negras que, anonimamente ou não, mudam o mundo. É preciso reconhecer a força ancestral dessas guerreiras anônimas.
Na tentativa de conquistar “o meu espaço” e tirar o pé debaixo do banco, vou seguindo a vida. Em vários momentos é muito provável que esteja em recorrente perigo nesta sociedade racista em que somos obrigados a sobreviver. Mas tem uma hora que você se sente exausto em ter que administrar a fúria doentia que as outras pessoas têm sobre a potencial ameaça que acham que você representa.

Eu sou uma ameaça ao domínio e privilégios que a branquitude quer manter.

Desculpa, mãe, mas vou desobedecer um pouco e me espalhar, mas é por uma boa causa!

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*George Oliveira é doutorando em Educação/ UFBA grbo2003@yahoo.com.br                             @grbo26

** As ilustrações de Quézia Silveira são do livro ‘As tranças de minha mãe’, de Ana Fátima (Editora Uirapuru, 2018)

Publicado em 25/07/2020


Fonte: Correio Nagô 

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