Assistiu-se, mais uma vez, no último final de semana, às manifestações dos apoiadores fiéis do presidente, os autoproclamados patriotas. Os mesmos que riem de suas gracinhas no cercadinho do Alvorada. Aqueles que resistem como os 30% que sempre avaliam o presidente como ótimo ou bom nas pesquisas de opinião. É evidente, em tais manifestações, o quanto são coordenados, homogêneos e nacionalmente conectados.
O bolsonarismo certamente sobreviverá a Bolsonaro, conforme indica tamanha articulação.
O bolsonarismo já antecedia o próprio Bolsonaro, de certa forma. Esta tendência já estava entre nós, latente. Em que pese a ampla estrutura de desinformação e manipulação via redes sociais e aplicativos de mensagem, há uma predisposição do brasileiro médio à mensagem bolsonarista. Ela é uma semente que encontra terreno fértil em nossa constituição cultural escravagista, autoritária, elitista, desigual e patriarcal. Seu simplismo, sua retórica beligerante, suas piadinhas de péssimo gosto e sua valentia covarde de quem abandona entrevistas inconvenientes representam exatamente muitos de nós. Bolsonaro é o tradutor-intérprete do Brasil de sempre.
Bolsonaro deu voz a seus seguidores, organizou-os, conectou-os, forneceu-lhes conceitos, discursos, “teorias”, enfim, uma linguagem. Deu-lhes palavras para expressar aquilo que sentiam, que já traziam consigo, mas que não sabiam como dizer. De certa forma, Bolsonaro os alfabetizou.
Assim, o bolsonarismo sobreviverá a Bolsonaro porque o presidente centralizou e sistematizou uma tendência preexistente, mas silenciosa, amorfa e dispersa, e até então sem meios, espaços e canais por onde se expressar, se encontrar e se estruturar.
Agora, inclinações e anseios subterrâneos ascenderam à voz oficial do Brasil. A nostalgia reacionária de um passado que nunca existiu, e que se deteriora mediante uma suposta desordem moral. A vingança do macho branco e tolhido. A reação a agendas identitárias e ódio às minorias. O ressentimento pela ascensão das classes trabalhadoras a novos patamares de consumo, turismo e escolarização. Não tem volta: mesmo após nos livrarmos do presidente, teremos de conviver com essa comunidade política, moral, simbólica, antidemocrática e radical que sempre esteve aí, e que agora se estruturou e se consolidou como força política. Eis o Brasil que ressurge dos escombros da ordem democrática.
Fonte: Carta Maior
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